O uso de sneha (substâncias oleosas) pelo Ayurveda é bem conhecido, dando inclusive um apelido de “terapia dos óleos” ao milenar sistema indiano. Considerando que na cultura ocidental há muito luta-se contra o uso amplo de gorduras, pode parecer anacrônico trazermos o tema como um importante coadjuvante no reequilíbrio da saúde. Parece, mas não é.
Acontece que o princípio da saúde no Ayurveda é o indivíduo ter um bom agni (fogo digestivo = metabolismo). Com esta premissa as terapias de oleação podem ser indicadas, como vimos nos textos anteriores. Enquanto os sistemas ocidentais preconizam com veemência que devemos nos hidratar, aqui a preocupação é de hidratar e lubrificar o organismo. Por dentro e por fora.
Vamos relembrar alguns pontos importantes das terapias de oleação externas.
Primeiro: por que mesmo usar substâncias lubrificantes? As gorduras têm seu valor demonstrado no Ayurveda em diferentes circunstâncias, como saturar o organismo para resgatar ama (as toxinas são lipossúveis) dos tecidos (em uma terapia shamana, de pacificação dos doshas) ou no nível celular (em shodana/panchakarma, terapias de eliminação de doshas e ama). Também como carreadoras de qualidades de outras substâncias, como das plantas, por exemplo. Neste caso, as moléculas de gordura encapsulam e levam para o organismo as características desejadas para o tratamento. Ou mesmo como lubrificantes puros, que irão agir na derme e a partir dela, com a aplicação correta, atingir os tecidos mais profundos.
Nenhum organismo funciona sem gordura. Como lipídeos, “estão envolvidos no abastecimento e no armazenamento de energia, são precursores da síntese de hormônios, componentes da bile e da membrana celular e participam de complexos sistemas de sinalização intracelular”.
Resgatando as características ayurvédicas da maioria dos óleos:
- rasa/ sabor = doce
- viria/ energia = quente
- vipaka/ efeito pós-digestivo = doce.
Eles diminuem Vata, mas aumentam Kapha e Pitta. Então a anamnese bem-feita é o trunfo da terapia de sucesso.
Como algumas terapias de oleação externa temos:
Samvahana
Processo: Aplicação superficial de óleo medicado, sem movimentação específica.
Indicação: Nas preparações a outros procedimentos.
Mardana
Processo: Aplicação de pouca quantidade de óleo medicado, com movimentos de estimulação dos marmas (pontos energéticos).
Indicação: Utilizado para mobilizar os pontos energéticos, principalmente quando não se pode fazer a oleação plena com abhyanga.
Abhyanga
Processo: Aplicação de óleo medicado em boa quantidade, em movimentos específicos, chegando no nível de pressão da pele que mobilize o plasma. As manobras e a pressão exercida devem auxiliar na penetração do óleo no organismo.
Indicação: Auxiliar no equilíbrio e restauração da saúde, mantendo e/ou promovendo a elasticidade do organismo, favorecendo a circulação dos fluídos corporais, fortalecendo os tecidos e o sistema nervoso.
Shirodara (pode ser feita com outros líquidos, com outros objetivos)
Processo: Fluxo de óleo na cabeça.
Indicação: Promover a pacificação de Vata agravado, reduzindo a agitação mental. Estimular os pontos energéticos e o couro cabeludo.
Shirobasti
Processo: Aplicação de óleo medicado, enchendo um recipiente no topo da cabeça, como um cilindro de contenção.
Indicação: Pacificar os doshas agravados, em tempo e óleos medicados diferentes para cada caso.
Pizichilli
Processo: Fluxo de óleo constante sobre todo o corpo, com aplicação de abhyanga.
Indicação: Fortalecer o organismo e pacificar sintomas de Vata agravado.
Uma das questões levantadas por Agnivesa, registradas no Charak Samhita capítulo XIII, versos 57 a 59, diz respeito a identificação dos sinais de oleação adequada. E o retorno de Purnavasu foi o seguinte: na oleação adequada há eliminação de flatos, bom poder digestivo, fezes oleosas e macias, maciez e suavidade do corpo.
No entanto, a oleação incompleta se traduz por fezes duras e secas, transtornos de vata, enfraquecimento do poder digestivo, aspereza esecura da pele. E na oleação excessiva o indivíduo apresenta palidez, sensação de peso, rigidez, fezes indicativas de má digestão, sonolência, anorexia e náuseas.
Neste quesito de excesso de oleação ou má indicação da oleação, Dr. José Ruguê, no curso de Formação de Terapeuta Ayurveda, sempre alerta sobre a sensação de entorpecimento que pode ficar a pessoa após receber o tratamento, dando uma falsa ideia de pacificação, que na verdade é peso além do recomendado.
Referências
CÔRTES, Janner Rangel e D’Ângelo, Edson. Ayurveda: a ciência da longa vida. 2ª Edição. São Paulo: Madras, 2015.
RUGUÊ RIBEIRO JR, José e FRAWLAY, David. Escola Yoga Brahma Vidyalaya. Formação de Terapeuta Ayurveda (Apostilas do curso). Uberlândia/MG, 2017-2020.
SHARMA, R.K. e Dr.DASH, Bhagawan. Charaka Samhita de Agnivesa. Índia. Editora Chakpori: 1972. Traduzido para o português por Dra Yeda Ribeiro de Farias e Williams Ribeiro de Farias.