O Ayurveda possui um rol de terapias específicas para recuperar o equilíbrio físico, mental e emocional dos seres. Grande parte delas também se aplicam em caso de recuperação de doenças estabelecidas, crônicas ou agudas, por vezes integradas com práticas de outros sistemas de saúde. Em um amplo espectro são elas:
- Redução (langana) onde há excesso, com purificação (Sodhana) ou pacificação (Samana) são prescritas para reduzir qualquer excesso de patologias.
- Tonificante (brimhana) quando houver deficiência. Uso de tônicos doces e nutritivos (rasayana) são dados para a construção de força.
- Secagem (ruksa) é uma terapia usada para aliviar qualquer excesso de fluido ou remover o muco e secar o sistema. Com ervas que são diuréticas.
- Os tratamentos com oleação (snehana) hidratam a secura e dão untuosidade aos tecidos usando óleos e substâncias demulcentes.
- Terapia de fomentação ou sudorese (svedana) reduz a frieza, o peso, a rigidez, toxinas e calor retido no corpo, usando vapor e ervas diaforéticas.
- A terapia adstringente (stambhana) é usada para retardar a fluxo excessivo de fluidos corporais com ervas ricas em tanino. (Sebastian Pole, Ayurvedic Medicine, pg.92)
O nome da terapia se dá pelo objetivo final esperado, o que inclui em cada uma procedimentos e substâncias adequadas. Muitas vezes a ação se repete para diferentes fins, como o uso das ervas, por exemplo, mudando a substância. Em outras usa-se uma determinada substância de maneiras diferentes para o efeito desejado.
Podemos citar, como figura de elucidação, as técnicas de massagem corporal. Existe uma técnica para snehana/ oleação, a abhyanga, na qual utiliza-se bastante óleo medicado com ervas. E outra técnica de secagem/ruksa, o udwartana, com a mínima utilização de óleo e muito de pós de plantas secantes. Ambas são técnicas de massagem corporal, no entanto mudam os movimentos e principalmente as substâncias aplicadas, conforme a necessidade da pessoa atendida.
Vamos nos ater aqui na observação um tanto mais profunda das terapias snehana, de oleação, suas técnicas e materiais. As substâncias que são, em geral, guru (pesado), sita (fria), sara (móvel), snigdha (gorduroso/oleoso), manda (lento), slksma (sutil), mrdu (suave) e drava (líquido) são snehana – causam lubrificação, untuosidade; aquelas que são de qualidades opostas são ruksana – causam secura. (Ashtanga samgraha, cap.25 verso 3)
Originalmente são quatro as gorduras utilizadas para estes tratamentos: ghee (manteiga purificada), medula dos ossos (tutano), gordura dos tecidos (banha) e óleos vegetais. Já nos textos clássicos está identificado o ghee como a melhor veículo de oleação por “sua capacidade de adquirir as propriedades de processamento (com adição de outras substâncias), ter sabor adocicado, não causar sensação de queimação durante a digestão e estar em uso pelas pessoas desde o nascimento” (Ashtanga samgraha, cap.25 versos 4-41/2).
Modernamente o uso do ghee e dos óleos vegetais são preferidos ao uso do tutano e da banha, por questões culturais, sanitárias ou de disponibilidade.
Quanto aos modos de aplicação o Ashtanga samgraha orienta que
o uso de substâncias lubrificantes deve ser feito de forma inteligente, seja misturado com comestíveis, alimentos ou usados através de enema, gotas nasais, unção sobre o corpo, gargarejos, unção sobre a cabeça, enchimento dos olhos e ouvidos (cap.25 verso 16).
Este cuidado deve-se a adequação do tratamento a pessoa que o receberá, pois é necessária avaliação detalhada previamente de sua capacidade digestiva, sua resistência física e emocional ao recebimento das substâncias e a força do desequilíbrio. Por exemplo, uma pessoa pode não tolerar a ingestão de óleo puro, então mistura-se à comida. Ou, outro exemplo, a pessoa pode ter dificuldade em receber as gotas nasais então pode-se fazer a unção no topo da cabeça. Claramente a dosagem em cada aplicação deverá ser revista e adequada.
Importante salientar a necessidade de um bom estado do sistema digestivo para a pessoa receber a oleação, pois seja qual a via de aplicação, as características pesado, lento, untuoso exigirão um fogo digestivo potente. Por isso uma das primeiras providências será a eliminação das toxinas do organismo e ajuste do agni (metabolismo digestivo), a fim de estar apto a introdução das gorduras. Também não estão prontos aqueles que “são obesos, fracos, aqueles que sofrem de rigidez nas coxas, diarreia, ama (toxinas digestivas), doenças da garganta, gara (envenenamento homicida), desmaios, vômitos, perda de apetite, doenças de origem kapha, sede, intoxicação alcoólica, parturientes e aqueles que estão em terapias como medicação nasal, enema e purgação. (Ashtanga samgraha, cap.25. versos 8b-9).
As épocas do ano melhores para as terapias snehana são as meias estações, primavera e outono. Quando a localidade tiver os períodos climatológicos bem definidos, o inverno rigoroso bem como o verão escaldante, não são boas opções. De todo modo, em caso de muita necessidade, deve-se tomar cuidados extras na aplicação nestes períodos evitando que a pessoa sofra efeitos indesejáveis pela aplicação fria ou muito quente da oleação. Deve-se evitar também seu uso em dias nublados, ventosos ou chuvosos, pois o fogo digestivo tende a ser mais baixo nestes momentos.
Considerando o uso de plantas auxiliares, salienta o Ashtangha samgraha:
aquele medicamento que é cultivado na mesma terra em que uma pessoa vive será ser ideal para essa pessoa; os medicamentos que possuem propriedades semelhantes às propriedades da terra em que uma pessoa nasceu devem ser usadas para aqueles que vivem em uma terra diferente (temporária ou permanentemente) (cap.23, verso 35).
Portanto, na medicação dos óleos para a terapia, é importante saber onde e em que condições foram produzidas as ervas adicionadas. Este ponto remete a cosmologia do Ayurveda segundo a qual tudo no universo é formado por akasha (espaço), vayu (ar), agni (fogo), jala (água) e pritivi (terra). Ou seja, nossa constituição é semelhante a das plantas que crescem ao nosso redor.
Cada uma das terapias ayurvédicas compõe-se de ações nas rotinas alimentares, estilo de vida, qualidades mentais e práticas espirituais para seu melhor desempenho. Isto significa registrar aqui, muito fortemente, que nenhuma destas providências, isolada, trará a cura definitiva. Sendo um sistema de saúde complexo e completo o Ayurveda observa o ser por inteiro e vai em busca das causas mais profundas do desequilíbrio/ doença. O reconhecimento se dá pela anamnese bem feita da terapeuta, identificando as qualidades dos sintomas, pois serão elas as mesmas qualidades das causas.
Referências
MURTHY .K.R. Srikantha. Vagbhata’s Ashtanga Samgrah. India. Jayanaga: 1991.
NETO, Mario T. Fitoterapia na visão do Ayurveda. Brasília/DF, 2020.
POLE, Sebastian. Ayurvedic Medicine. Inglaterra. Elsevier Ltd: 2006.
RUGUÊ RIBEIRO JR, José e FRAWLAY, David. Escola Yoga Brahma Vidyalaya. Formação de Terapeuta Ayurveda (Apostilas do curso). Uberlândia/MG, 2017-2020.